O que faz um arquiteto?
Essa pergunta, pode soar óbvia, mas pode ser uma dúvida essencial, tanto para arquitetos recém-formados como para profissionais já experientes no mercado de arquitetura.
Em uma análise prática, a escala de atuação do arquiteto é extremamente ampla. Pode variar do micro – por exemplo, do design de jóias -, ao macro – por exemplo, planejamento territorial a nível nacional -.
De fato, a maior parte dos profissionais atua nas seguintes áreas: projeto de edificações, projetos de urbanismo, ensino e atuação no poder público. Embora não se possa esquecer de áreas importantes, como, design de mobiliário, paisagismo, gerenciamento, acompanhamento e fiscalização de obras, entre outras.
Do ponto de vista legal, existem duas leis principais que regem as atividades da arquitetura:
1 – LEI Nº 12.378, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010; Esta regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR. De forma ampla, é esta que abrange toda a área de atuação dos Arquitetos e Urbanistas.
2 – RESOLUÇÃO N° 51, DE 12 DE JULHO DE 2013 (CAU/BR); Esta dispõe sobre as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas. Ou seja, atividades que “deveriam” ser realizadas exclusivamente por arquitetos.
Na prática, veremos que a resolução Nº 51 perde força no conflito gerado com as atribuições de outros profissionais (com a legislação própria de outros conselhos) e também na falta de clareza jurídica para fundamentar e garantir a sua aplicação.
Acreditávamos ser o CAU uma coisa boa, um ganho para os arquitetos
Existia uma queixa constante entre os arquitetos que era a falta de força e voz da profissão sob a gestão do conselho à época, o CREA (então Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia). Creditava-se à força do lobby da Engenharia Civil, bem como dos engenheiros, e à força das grandes construtoras atuantes, a sobreposição desta profissão frente as demais daquele conselho.
Existia, portanto, um clamor pela independência profissional dos Arquitetos e Urbanistas e a consequente criação de um conselho próprio. Após muitas batalhas vencidas, foi criado no último dia do ano de 2010, através da Lei 12.378, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo das Unidades da Federação (CAU/UF).
Com este sonho concretizado, restava então criar o ambiente necessários para que as melhoras acontecessem. Era uma aposta. O CAU poderia tanto melhorar como piorar o cenário da profissão do arquiteto. Era 50% de chance de dar certo ou errado.
O sucesso do CAU depende de que?
Depende, em parte, dos gestores da autarquia, mas em grande parte também, da atuação firme de toda a classe de profissionais.
Infelizmente, hoje, após seis anos e meio da criação do conselho, o que vemos são muito poucas melhoras. O conselho ainda caminha a passos de formiga. Não existe uma atuação eficiente e enérgica por parte dos gestores e tampouco uma organização eficiente por parte da classe profissional.
Em resumo: a classe deveria cobrar de seu conselho as mudanças almejadas, assim como a população deveria cobrar e exigir as mudanças esperadas de seus políticos.
É sabido que nosso cenário atual é de apatia, profissional e política, paradoxalmente, em um cenário de crise econômica e política contundente.
Há de se citar alguns esforços, como por exemplo a criação do GEMARQ (Grupo de Empresas Mineiras de Arquitetura), com o intuito de unir a classe empresarial atuante na arquitetura para conquistar um mercado mais justo para todos.
O que é o CAU? O que é uma autarquia?
O CAU é uma autarquia federal com autonomia administrativa e financeira. Com estrutura federativa, têm objetivo principal de regular o exercício da profissão de arquiteto e urbanista no Brasil. Foi criado com a seguinte atribuição:
“orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da Arquitetura e Urbanismo”.
O que significa uma autarquia? Nos termos do dicionário temos:
autarquia
substantivo feminino
- pol forma de governo em que um indivíduo ou grupo tem poder absoluto sobre a nação; autocracia.
- p.met. pol país, estado etc. em que impera essa forma de governo.
- pol governo de um estado, província, região etc. conduzido por seus próprios cidadãos.
- econ jur B entidade de direito público, com autonomia econômica, técnica e administrativa, embora fiscalizada e tutelada pelo Estado, o qual eventualmente lhe fornece recursos, e constitui órgão auxiliar de seus serviços.
Deixo aberto a interpretação de qual dos significados mais se aproxima do que o CAU representa para nós, hoje.
A ação institucional do CAU
A ação institucional do Conselho de Arquitetura e Urbanismo tem tido dois focos principais: arrecadação e fiscalização. Por outro lado, o que na verdade nós, profissionais da arquitetura precisamos é: regulação.
Necessitamos de regulação de mercado e regulação da prática profissional.
O custo para um profissional exercer sua atividade é extremamente alto. Paga-se compulsoriamente anuidade de R$ 487,57 (2016), tanto para os profissionais (pessoa física) como para a empresa (pessoa jurídica). Uma empresa com 5 arquitetos, que desenvolva uma média de 10 projetos por mês (independente da escala e do valor) pagará, ao final de um ano, algo em torno de R$ 11.500 para o conselho profissional (anuidades + RRT’s).
O conselho vem atuando com ações educacionais pouco contundentes. Por exemplo, muito se leciona sobre a Resolução 51, mas pouco é feito para ela se faça valer na prática. Temos exemplos concretos: Em mais de uma ocasião vimos irregularidades em certames licitatórios, denunciamos ao CAU, e de forma usual, a ação do CAU foi pró-forma. Enviaram ofícios explicitando o óbvio, e ao final seu posicionamento não foi acatado pela comissão de licitação.
Há dois tipos de fiscalização:
- A fiscalização dos arquitetos
- A fiscalização do mercado
Enquanto a primeira forma de fiscalização se faz extremamente eficiente e arrecadatória, a segunda, de interesse maior da classe, não é enfrentada com a mesma disposição.
A tabela de honorários
Fez parte das últimas ações institucional do CAU a elaboração de uma tabela de honorários profissionais acessível para qualquer cidadão, não sendo necessário ser registrado no conselho para utilizá-la.
Ainda me pergunto: para que serve a tabela do CAU?
Confesso que mesmo após muito refletir, não tenho a resposta.
Os valores propostos estão em extremo desacordo com o que realmente é praticado no mercado. Em uma consulta presencial, nos foi dito que a tabela pode ser “ajustada” para a demanda e realidade de cada projeto.
Ora, trata-se então de mera calculadora de honorários e não de uma tabela de referência.
Deixamos na ocasião nossa sugestão para que a tabela de honorários fosse referência, ao menos, para os certames da administração pública. E que isso fosse exigido à força de lei, caso contrário, não haverá êxito.
A atividade profissional de arquitetos e engenheiros
As atividades da arquitetura e urbanismo, e das diversas áreas da engenharia ainda se sobrepõem. Há ainda uma linha indefinida entre o que seria exatamente a atuação de um, ou outro.
Estamos em um momento de transição. Vivemos em um momento em que nem mesmo os conselhos sabem ao certo o que é o correto e como atuar (vejam o exemplo que citaremos mais abaixo).
Algumas atividades que valem a pena serem reforçadas:
Um arquiteto pode fazer:
– projeto estrutural;
– projeto de instalações elétricas prediais de baixa tensão;
– projeto de instalações hidrossanitárias prediais;
– projeto de estrutura de madeira;
– projeto de estrutura de concreto;
– projeto de estrutura pré-fabricada;
– projeto de estrutura metálica;
– projeto de estruturas mistas;
– projeto de outras estruturas;
– projeto de luminotecnia;
– projeto de condicionamento acústico;
– projeto de cabeamento estruturado, automação e lógica em edifícios;
– projeto de instalações prediais de águas pluviais;
– projeto de instalações prediais de gás canalizado;
– projeto de instalações prediais de gases medicinais;
– projeto de instalações prediais de prevenção e combate a incêndio;
– projeto de sistemas prediais de proteção contra incêndios e catástrofes;
– projeto de instalações elétricas prediais de baixa tensão;
– projeto de instalações telefônicas prediais;
– execução de obra;
– execução de reforma de edificação;
– gerenciamento de obra ou serviço técnico;
– acompanhamento de obra ou serviço técnico;
– fiscalização de obra ou serviço técnico;
– entre várias outras atividades.
Atividades privativas do Arquiteto e Urbanista: um exemplo real de mercado.
Assim estão listadas as áreas de atuação que a resolução 51 prevê como privativas, ou seja, que somente o arquiteto e urbanista pode exercer:
I – DA ARQUITETURA E URBANISMO:
- a) projeto arquitetônico de edificação ou de reforma de edificação;
- b) projeto arquitetônico de monumento;
- c) coordenação e compatibilização de projeto arquitetônico com projetos complementares;
- d) relatório técnico de arquitetura referente a memorial descritivo, caderno de especificações e de encargos e avaliação pós-ocupação;
- e) desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto arquitetônico;
- f) ensino de teoria, história e projeto de arquitetura em cursos de graduação;
- g) coordenação de curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo;
- h) projeto urbanístico;
- i) projeto urbanístico para fins de regularização fundiária;
- j) projeto de parcelamento do solo mediante loteamento;
- k) projeto de sistema viário urbano;
- l) coordenação e compatibilização de projeto de urbanismo com projetos complementares;
- m) relatório técnico urbanístico referente a memorial descritivo e caderno de especificações e de encargos;
- n) desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto urbanístico; e
- o) ensino de teoria, história e projeto de urbanismo em cursos de graduação;
II – DA ARQUITETURA DE INTERIORES:
- a) projeto de arquitetura de interiores;
- b) coordenação e compatibilização de projeto de arquitetura de interiores com projetos complementares;
- c) relatório técnico de arquitetura de interiores referente a memorial descritivo, caderno de especificações e de encargos e avaliação pós-ocupação;
- d) desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto de arquitetura de interiores;
- e) ensino de projeto de arquitetura de interiores;
III – DA ARQUITETURA PAISAGÍSTICA:
- a) projeto de arquitetura paisagística;
- b) projeto de recuperação paisagística;
- c) coordenação e compatibilização de projeto de arquitetura paisagística ou de recuperação paisagística com projetos complementares;
- d) cadastro do como construído (as built) de obra ou serviço técnico resultante de projeto de arquitetura paisagística;
- e) desempenho de cargo ou função técnica concernente a elaboração ou análise de projeto de arquitetura paisagística;
- f) ensino de teoria e de projeto de arquitetura paisagística;
IV – DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E ARTÍSTICO:
- a) projeto e execução de intervenção no patrimônio histórico cultural e artístico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, monumentos, práticas de projeto e soluções tecnológicas para reutilização, reabilitação, reconstrução, preservação, conservação, restauro e valorização de edificações, conjuntos e cidades;
- b) coordenação da compatibilização de projeto de preservação do patrimônio histórico cultural e artístico com projetos complementares;
- c) direção, condução, gerenciamento, supervisão e fiscalização de obra ou serviço técnico referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico;
- d) inventário, vistoria, perícia, avaliação, monitoramento, laudo e parecer técnico, auditoria e arbitragem em obra ou serviço técnico referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico;
- e) desempenho de cargo ou função técnica referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico;
- f) ensino de teoria, técnica e projeto de preservação do patrimônio histórico cultural e artístico;
V – DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL:
- a) coordenação de equipe multidisciplinar de planejamento concernente a plano ou traçado de cidade, plano diretor, plano de requalificação urbana, plano setorial urbano, plano de intervenção local, plano de habitação de interesse social, plano de regularização fundiária e de elaboração de estudo de impacto de vizinhança;
VI – DO CONFORTO AMBIENTAL:
- a) projeto de arquitetura da iluminação do edifício e do espaço urbano;
- b) projeto de acessibilidade e ergonomia da edificação;
- c) projeto de acessibilidade e ergonomia do espaço urbano.
Na prática, nos encontramos algumas vezes com o não atendimento à esta legislação. Mais de uma vez, denunciamos ao CAU, mas sem nenhum resultado positivo. Nos cabe ao final, lutarmos de forma independente por nossos direitos na justiça comum, sem o devido apoio institucional.
Segue um exemplo de ordem prática:
Participamos de um certame para a realização de projetos para um novo edifício da Justiça Federal (!). Na ocasião vimos nossa área de atuação privativa ferida.
Notificamos o CAU, que em seguida se posicionou de forma muito sucinta sobre sua orientação, com um ofício que não fez valer o previsto na resolução nº 51. Por outro lado, a Justiça Federal realizou consulta ao CREA sobre o mesmo assunto, que de forma muito mais eficiente garantiu os interesses de seus afiliados, sendo o resultado comprovado na seguinte redação da Ata de Julgamento:
…” 2) a indicação de engenheiro civil para a elaboração de projeto de arquitetura pelas empresas “sigilo” e “sigilo” também não constitui motivo para inabilitação, haja vista manifestação da assessoria jurídica da Presidência do CREA-MG de que os profissionais da engenharia civil podem exercer atividades relacionadas a projetos arquitetônicos. Cabe registrar o que dispõem os ~ 4º e ~ 5º do art. 3º da lei 12.378/2010: “~ 4º – Na hipótese de as normas do CAU/BR sobre o campo de atuação de arquitetos e urbanistas contradizerem normas de outro Conselho profissional, a controvérsia será resolvida por meio de resolução conjunta de ambos os conselhos.”; “~ 5º – Enquanto não editada a resolução conjunta de que trata o ~ 4º ou, em caso de impasse, até que seja resolvida a controvérsia, por arbitragem ou judicialmente, será aplicada a norma do Conselho que garanta ao profissional a maior margem de atuação.”.
Voltamos, logo após publicação da Ata de Julgamento, a notificar o CAU-MG e nada foi feito.
Fica, portanto, nosso questionamento: De que vale a Resolução Nº 51 do CAU/BR?
Conselho, Instituto ou Sindicato?
É de interesse comum aos arquitetos saber que existem outros atores além do Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
– IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil)
– Sinarq (Sindicado dos Arquitetos de Minas Gerais)
– Outros sindicados.
Fato é que a grande proximidade, hoje, do CAU, IAB e sindicados tem criado uma pasteurização na forma de atuação de todos, o que é extremamente desfavorável para o cenário da Arquitetura, de forma mais ampla.
Como o CAU deveria atuar?
Tenho como exemplo a vivência como arquiteto em Barcelona. Lá tive a oportunidade de acompanhar várias frentes de atuação junto ao COAC (colégio de arquitetos da Catalunha), ou seja o CAU dos arquitetos catalães.
Na prática, o COAC se mostra um conselho forte, ativo, e presente na sociedade, não só para os arquitetos ou afiliados, mas efetivamente para toda a sociedade. Atua com eficiência na oferta de cursos de extensão e reciclagem, exposições públicas, feiras e várias outras atividades que contribuem tanto para melhorar a formação do arquiteto como para fortalecer sua imagem junto a sociedade local.
Do ponto de vista empresarial, o conselho atua ativamente em todos os processo licitatórios, analisando e divulgando as oportunidades para as empresas afiliadas, incluindo alertas (positivos ou negativos) com relação aos itens de edital que podem estar alinhados ou contra o posicionamento institucional do COAC e à legislação.
Além de tudo, adota uma postura reguladora. Mantém sua tabela de honorários regulada com o mercado (diferente do que vemos aqui) e define valores de referência, valores mínimos e valores máximos a serem praticados pela administração pública.
Empreendedor x trabalhador no mercado de arquitetura
Todos nós profissionais temos o livre arbítrio para definirmos qual será nossa atuação em nossa profissão. Em geral nos encaixamos em três grupos principais: arquitetos empresários, arquitetos funcionários e funcionários públicos.
A divergência de interesses dos três grupos tem sido fator de desagregação de nossa classe profissional.
Quiçá, caiba também ao Conselho atuar como mediador e encontrar o denominador comum frente aos interesses de todos, uma vez que são, todos, compulsoriamente afiliados à ele.
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Atenciosamente,
Renato Melo | Sócio-Diretor – Departamento de Projetos
Renato Melo | Arquitetura
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